A Relação Negativa entre Pessoas com Deficiência, Neoliberalismo e Capacitismo na Educação e Trabalho
A intersecção entre deficiência, neoliberalismo e capacitismo constitui uma teia complexa de opressão que marginaliza sistematicamente pessoas com deficiência nos contextos educacionais e laborais. Esta relação negativa manifesta-se através de múltiplos mecanismos de exclusão que transformam a deficiência em desvantagem social, econômica e política.
Capacitismo e Neoliberalismo: Uma Articulação Estrutural
O capacitismo, definido como sistema de opressão que hierarquiza vidas humanas com base em tipos de corpos e capacidades, encontra no neoliberalismo um aliado fundamental. O neoliberalismo é um sistema econômico e cultural que se beneficia do capacitismo, pois valoriza a autossuficiência individual e a capacidade de trabalhar como princípios para garantia de direitos. Esta lógica situa a deficiência como problema individual, deslegitimando as lutas por acessibilidade e desobrigando o Estado de fornecer serviços e apoios necessários.atheneadigital+2
A racionalidade neoliberal precariza profundamente a vida das pessoas com deficiência em escala global, especialmente aquelas que necessitam de maior suporte estatal. No contexto brasileiro, essa precarização é ainda mais severa para pessoas com deficiência em situação de pobreza, que dependem de políticas sociais e não podem adquirir serviços necessários no mercado.atheneadigital
Produtividade e Valoração dos Corpos
O paradigma neoliberal estabelece produtividade e autonomia como medidas de valor humano. Neste enquadramento, pessoas com deficiência são frequentemente consideradas economicamente inviáveis e desviantes do ideal normativo de cidadão produtivo e autônomo. Esta visão capacitista-neoliberal cria um ciclo vicioso: quanto mais distante do padrão corporal normativo, maior o preconceito e a exclusão.pmc.ncbi.nlm.nih+1
A educação profissional e tecnológica, articulada com políticas de inclusão, funciona como tecnologia de governamento que investe na produtividade de sujeitos com deficiência para desenvolver condições de concorrência no jogo econômico neoliberal. Este processo transforma a inclusão em estratégia biopolítica de gestão dos corpos, buscando constituir sujeitos empreendedores e autogestores.repositorio.ufsm+1
Exclusão no Mercado de Trabalho
Os dados revelam exclusão sistemática no mercado de trabalho brasileiro. Apenas 26% das pessoas com deficiência estavam no mercado laboral em 2022, comparado a 60% das pessoas sem deficiência. Esta disparidade manifesta-se também nos salários: pessoas com deficiência recebem rendimentos 30% a 37% menores que a média nacional.globo+2
A diferença salarial persiste em todos os grupos de atividades econômicas, com pessoas com deficiência concentradas em setores tradicionalmente mais precarizados, como serviços domésticos, agropecuária e alojamento. Mesmo com qualificação superior, apenas 51,2% das pessoas com deficiência com ensino superior completo estão ocupadas, enquanto entre pessoas sem deficiência este percentual chega a 80,8%.amazonasatual+2
O capacitismo no ambiente de trabalho é alarmante: nove em cada dez pessoas com deficiência relatam ter enfrentado situações capacitistas no ambiente profissional, incluindo comentários discriminatórios (75%), preconceito de superiores (64%) e de colegas (62%). Apenas 35% relataram os episódios às empresas, temendo demissão ou retaliação.esginside
Armadilha do Ableismo e Neoliberalismo
Trabalhadores com deficiência ficam “presos entre ableismo e neoliberalismo”, forçados a se considerarem privilegiados por terem trabalho remunerado. Aqueles que demandam direitos são frequentemente dispensados sob diversos pretextos. O foco em “habilidades” em detrimento dos impedimentos é usado como vantagem pelo empregador para reduzir custos, mas desvantagem severa para trabalhadores, que são pressionados a se provarem “iguais” e desencorajados de fazerem demandas.dsq-sds+1
Responsabilização Individual e Meritocracia
A ideologia neoliberal transfere para o indivíduo a responsabilidade pela busca de direitos e inclusão. Esta compreensão neoliberal, associada ao capacitismo e outros sistemas opressivos, cria barreiras estruturais e interpessoais que geram “fadiga de acesso”.seer.ufrgs+3
A fadiga de acesso descreve o esgotamento físico e mental resultante do trabalho constante de buscar acessibilidade, que exige que pessoas com deficiência construam um “eu ideal” para se mostrarem merecedoras do acesso, navegando relações de poder e barreiras institucionais. Este trabalho retórico acumula-se ao ponto de fazer pessoas com deficiência desistirem da educação e outros espaços sociais.scielo+1
Educação: Inclusão ou Exclusão?
No contexto educacional, o capacitismo nas trajetórias educacionais de mulheres negras com deficiência evidencia como a intersecção de sistemas opressivos multiplica barreiras. As políticas educacionais inclusivas implementadas desde a década de 1990 no Brasil alinham-se ao contexto neoliberal, transformando a inclusão em argumento do senso comum que inibe potencialidades emancipadoras e humanizadoras da educação.scielo+3
A falta de acessibilidade metodológica, arquitetônica e atitudinal nas instituições de ensino compromete a efetiva participação de estudantes e docentes com deficiência. Muitas escolas regulares que se dizem inclusivas pela efetivação de matrículas não possuem apoio que promova o pleno desenvolvimento dessas pessoas, provocando marginalização.periodicos.ufms+1
Interseccionalidade: Multiplicação das Opressões
A deficiência não existe isoladamente, mas em intersecção com outros marcadores sociais como gênero, raça, classe e sexualidade. Uma mulher negra periférica com deficiência enfrenta capacitismo, racismo, sexismo e classismo simultaneamente. Esta sobreposição de opressões potencializa a discriminação e cria experiências únicas de exclusão.meioemensagem+2
Dados revelam que 42% dos profissionais com deficiência são negros, número considerado baixo dada a maior incidência de deficiência nesta população. A interseccionalidade mostra que mulheres com deficiência enfrentam maior risco de violência física, sexual e emocional, além de invalidação e fetichização de seus corpos.linkedin+1
Modelo Social versus Modelo Médico
O debate entre modelo médico e modelo social da deficiência é central para compreender esta relação negativa. O modelo médico foca na deficiência como problema individual a ser tratado ou corrigido. Já o modelo social propõe que a deficiência resulta da interação entre impedimentos corporais e barreiras sociais e ambientais.centroincentivo+3
O modelo biopsicossocial, adotado pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e pela Lei Brasileira de Inclusão, busca superar a abordagem médica tradicional, compreendendo a deficiência como resultado da interação entre pessoa com impedimentos de longo prazo e barreiras sociais e ambientais. Contudo, a implementação efetiva deste modelo enfrenta resistências de práticas capacitistas ainda arraigadas.scielo+3
Precarização das Políticas Sociais
O avanço de políticas neoliberais fortalece ofensivas capacitistas, produzindo retrocessos aos direitos conquistados e fortalecendo a deficiência como condição de rejeição. A diminuição da oferta de serviços de apoio, como assistentes pessoais, exemplifica como o neoliberalismo precariza a vida de pessoas com dependência complexa.preprints.scielo+2
As políticas de inclusão existentes não superam as condições que produzem exclusão, pois não desestruturam o modo de produção capitalista, mas apenas colaboram para ajustes nos marcos da conciliação entre capital e trabalho. A Lei de Cotas, embora importante, é insuficiente quando empresas preferem sofrer penalidades a realizar adaptações necessárias.contrapoder+2
Biopolítica e Governamentalidade Neoliberal
Na perspectiva foucaultiana, a governamentalidade neoliberal opera modulação econômica da subjetividade. A educação profissional e tecnológica com a inclusão funciona como tecnologia de governamento das condutas na racionalidade neoliberal. Este processo investe no desenvolvimento de habilidades e competências para inclusão produtiva nos jogos de mercado.periodicos.pucminas+3
A lógica capacitista fortalece políticas neoliberais ao circunscrever a deficiência como problema individual, deslegitimando a luta por serviços e espaços acessíveis. Essa prática tende a produzir vulnerabilidades, pois o binômio norma/desvio, basilar do capacitismo, foi incorporado na construção dos espaços e formas de relacionamento que não abraçam a diversidade humana.scielo
Caminhos de Resistência
Enfrentar esta teia de opressão exige reconhecer que a transformação real demanda mudança fundamental nas condições, práticas e discursos que produzem a deficiência social. Isso inclui revolucionar como imaginamos e criamos subjetividades, ir além do acesso à educação e emprego para mudar as estruturas que produzem exclusão.pmc.ncbi.nlm.nih
A defesa do modelo social não pode servir como pretexto para retrocessos. É preciso garantir dignidade e direitos básicos, incluindo autonomia para tomar decisões sobre a própria vida. As políticas devem ser direcionadas às especificidades das pessoas com deficiência num enfoque inclusivo e democrático, considerando a experiência da opressão vivida e superando a concepção de impedimento como sinônimo de deficiência.canalautismo+1
A construção de uma sociedade inclusiva exige eliminar barreiras arquitetônicas, comunicacionais e atitudinais, reconhecendo que são essas barreiras, e não a natureza, que discriminam e oprimem. A luta anticapacitista deve articular-se com outras lutas contra opressões, reconhecendo que a origem da exclusão é a mesma: a discriminação.
REFERÊNICAS
- https://atheneadigital.net/article/download/v23-n2-gesser-moraes/1880?inline=1
- https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/download/11595/21298/21907
- https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/capacitismo-o-que-e-como-combater-e-por-que-e-tao-importante-falar-sobre-o-tema
- https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC12343582/
- https://repositorio.ufsm.br/handle/1/14610
- https://periodicos.unb.br/index.php/linhascriticas/article/download/4853/4420/8658
- https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2023/07/07/pessoas-com-deficiencia-tem-maior-dificuldade-de-insercao-no-mercado-de-trabalho-e-acesso-a-educacao-aponta-ibge.ghtml
- https://amazonasatual.com.br/pessoas-com-deficiencia-tem-salario-menor-media-e-de-r-16-mil/
- https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/09/21/7-em-cada-10-pessoas-com-deficiencia-estao-fora-do-mercado-de-trabalho-salario-medio-dessa-populacao-e-r-1-mil-menor-diz-ibge.ghtml
- https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34977-desemprego-e-informalidade-sao-maiores-entre-as-pessoas-com-deficiencia
- https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2023-07/mesmo-com-escolaridade-pessoas-com-deficiencia-tem-menos-empregos
- https://esginside.com.br/2024/12/13/o-capacitismo-ainda-e-a-maior-barreira-para-inclusao-no-mercado-de-trabalho-revela-pesquisa/
- https://dsq-sds.org/article/id/229/
- https://pdfs.semanticscholar.org/bbe5/09c4019c145efdbc8189e2f355bd4f760789.pdf
- https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/141797