Estereotipia no Autismo: Definição, Mecanismos e Características
A estereotipia é definida como a repetição frequente e persistente do mesmo movimento, gesto, postura, vocalizações ou sons, tipicamente sem propósito aparente. Nos indivíduos autistas, a estereotipia constitui um dos critérios diagnósticos essenciais para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) conforme o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), fazendo parte dos padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento, atividades e interesses.autismparentingmagazine+1
O que Diferencia a Estereotipia no Autismo
A estereotipia no autismo distingue-se fundamentalmente por sua falta de apropriação social e desenvolvimental. Enquanto crianças com desenvolvimento típico apresentam níveis consistentes e baixos de comportamentos estereotipados, os níveis aumentam significativamente com a idade em crianças com autismo. Aproximadamente 60% das crianças neurologicamente típicas mostram alguns movimentos estereotipados entre 2 e 5 anos de idade, mas de forma muito menos frequente e menos persistente do que em autistas.pmc.ncbi.nlm.nih+2
Além disso, as estereotipias em autismo são frequentemente percebidas como inapropriadas em forma, foco, contexto, duração ou intensidade. Por exemplo, enquanto um adulto típico pode bater o pé ou roer as unhas ocasionalmente, uma pessoa autista pode engajar em comportamentos estereotipados de forma muito mais frequente, intensa e em situações socialmente inadequadas.pmc.ncbi.nlm.nih
Por Que a Estereotipia Ocorre: Mecanismos Neurobiológicos
Os mecanismos por trás da estereotipia em autismo envolvem múltiplas vias neurobiológicas complexas:
Disfunção dos Núcleos da Base: Pesquisas neurorradiológicas demonstram que as estereotipias em autismo estão associadas a alterações morfométricas significativas nos núcleos da base. Estudos revelaram aumento de volume do tálamo direito, estriado bilateral (especificamente putâmen e caudado) em crianças com autismo comparadas ao desenvolvimento típico. Estes núcleos, juntamente com o tálamo, têm sido implicados como estruturas críticas na manutenção de comportamentos repetitivos.pmc.ncbi.nlm.nih
Desregulação Neurochemica: Há forte evidência ligando a estereotipia à síntese e metabolismo de dopamina e serotonina. Especificamente, níveis aumentados de dopamina no estriado frequentemente correlacionam-se com diminuição de acetilcolina, e esse desequilíbrio de neurotransmissores correlaciona-se com a apresentação de estereotipias motoras. Além disso, serotonina, acetilcolina, histamina, glutamato e GABA foram todos ligados ao TEA.sciencedirect+1
Rigidez Cognitiva e Circuitaria Corticoestriatal: Pesquisas em modelos animais identificaram uma ligação forte entre estereotipias e rigidez cognitiva mediada pela circuitaria corticoestriatal. Animais altamente estereotipados apresentaram também respostas repetitivas mais persistentes em diferentes tarefas cognitivas, sugerindo uma rota neurobiológica comum.pmc.ncbi.nlm.nih
Função de Regulação: As estereotipias em autismo servem múltiplas funções que sustentam seu engajamento contínuo:
- Regulação Sensorial e Emocional: Indivíduos autistas dependem significativamente de estereotipias para gerenciar a desregulação sensorial crônica. Seja causada por fatores externos (luzes brilhantes, sons altos, sensações físicas) ou desregulação emocional interna, há uma necessidade maior de autorrregulação na população autista. As estereotipias permitem que indivíduos autistas busquem entrada sensorial controlada, criando experiências emocionais e sensoriais positivas.scholars.unh
- Reforço Automático: As estereotipias são comportamentos operantes mantidos por reforço automático — ou seja, as sensações produzidas pelo próprio comportamento são reforçadoras. A pessoa se engaja no comportamento porque desfruta da sensação ou estimulação obtida.eden2
- Múltiplas Funções de Reforço: A estereotipia vocal e motora pode ser mantida por reforço social positivo (atenção, acesso a itens tangíveis), reforço negativo (fuga ou esquiva de demandas ou estímulos aversivos ambientais), e reforço automático positivo ou negativo.scielo
Características e Tipos de Estereotipia
As estereotipias em autismo podem ser amplamente categorizadas em dois tipos principais:
Estereotipias Motoras: Envolvem movimentos repetitivos do corpo com padrão fixo e frequência regular, que podem geralmente ser interrompidos por distração (como chamar pelo nome). Exemplos incluem:autismparentingmagazine
- Agitação de mãos (hand flapping)
- Balançar ou girar o corpo (body rocking)
- Caminhar na ponta dos pés (toe walking)
- Girar objetos
- Fixar ou escancarar os olhos (gazing)
- Arranhar cheiros
- Passar objetos pela visão periférica
Essas estereotipias motoras demonstram características de ritmo, bilateralidade e invariância — são comportamentos que o indivíduo consegue executar de forma praticamente idêntica repetidas vezes.autismparentingmagazine
Estereotipias Vocais: Consistem em sons ou frases vocais repetitivos e não contextuais, incluindo:
- Humming (cantarolar repetitivamente)
- Grunidos (sons vocais baixos)
- Gritos e gritinhos
- Ecoalia imediata e atrasada (repetição de palavras ou frases ouvidas)
- Riso descontextualizado
- Sons sem significado
- Padrões rítmicos de fala, respiração
- Ranger de dentes e sons com os lábios
- Fala ou frases fora de contexto
Vocalizações estereotipadas representam sons não contextuais ou não funcionais, podendo variar de simples (sons únicos) a complexas (sequências de palavras ou frases).supportivecareaba+1
Comportamentos Mais Complexos: Além das estereotipias motoras e vocais simples, formas mais complexas de estereotipia podem manifestar-se como:
- Rituais ou rotinas muito específicas mas não funcionais
- Demanda rígida por sameness (insistência em que as coisas permaneçam exatamente iguais)
- Arranjo de objetos em linhas
- Repetição de frases
- Fixações em objetos específicos ou tópicos
Impacto e Consequências
A estereotipia ocupa uma proporção significativa do repertório comportamental de crianças com autismo, podendo interferir tanto na aprendizagem quanto na interação social. Crianças autistas demonstram latências mais longas de resposta a estímulos sensoriais quando engajadas em comportamentos estereotipados, o que afeta não apenas a aquisição inicial de aprendizagem, mas também a medida em que as crianças se engajam em comportamentos aprendidos e mais apropriados durante tempo livre.pmc.ncbi.nlm.nih
As consequências sociais incluem estigmatização, vitimização, redução de autoestima, retirada social, esquiva de eventos sociais, comportamentos de autoagressão, ansiedade e depressão. Embora a estereotipia tenha funções regulatórias importantes, quando ocorre em contextos sociais inadequados, pode levar a um ciclo vicioso de ansiedade e supressão.scholars.unh+1
É importante notar que enquanto a estereotipia foi historicamente abordada como um “comportamento problemático” a ser eliminado, pesquisas recentes reconhecem suas funções críticas de autorregulação e regulação sensorial para indivíduos autistas, questionando se a eliminação de estimulação é uma estratégia efetiva ou sustentável para apoiar a autorregulação.
REFERÊNCIAS
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